19 mayo 2010

artes práticas


vejo uma menina
ela vê uma menina
ela está de costas, tem os cabelos cumpridos e usa vestido
ela sabe que não se vê exatamente como era
mas não se preocupa
pois está criando
a menina que brincava com borboletas começa a nascer
ela está de costas
ainda tem um rosto misterioso
mas ela sabe que virá
mas ela sabe o que ela faz
ela brinca com borboletas
faz os móveis com folhas e o cenário é um belo relógio velho
um desses de medir a luz
é de tijolos vermelhos, e está bem desgastado pelo tempo
na verdade não mede mais a luz
já foi o tempo
é agora apenas um relógio velho que fica ao lado de uma escada grande
que dá acesso ao corredor de um quintal onde ela sabe, existe um pé de goiabas tudo ainda é muito remoto
sabe também que havia uma espécie de brincadeira de feira nesse quintal
e que as pitangas eram vermelhas, ou amarelas, ou verdes
e se podia subir no pé
os galhos eram cobertos por uma espécie de pele, de casca fina, e se descascava
não consegue parar de pensar nas pitangas
quando não está pensando nas borboletas
as mesmas que pegava com os dois pequenos dedos
quando as asas ainda estavam fechadas
quando ainda estava pousada em cima de alguma flor, ou folha
e as folhas
sabia que delas fazia os móveis, mas não consegue se lembrar de todos
sabe que havia a cama, que era uma folha maior, daquelas bem originais, em formato de coração
e sabe também que duas menores eram os travesseiros colocados a cima da cama
e tinha ainda o cobertor
que era uma folha um pouco menor que a da cama e um pouco maior que as dos dois travesseiros
aliás,
acaba de lhe ocorrer que talvez aquela cama não fosse ainda de casal, seguramente era de solteiro
esse fora só um detalhe inventado agora, confundido com o presente
mas se ateu as folhas e as borboletas mas uma vez
sua atenção estava completamente presa aquela menina de cachos castanhos e vestido dourado
que brincava com as borboletas como se estas fossem suas bonecas
não por falta delas como podem pensar alguns
mas sim por uma vontade maior da vida lúdica
mas havia também algo de triste que porém não lhe causara tristeza
mas as borboletas morriam
depois de algum tempo
elas acabavam morrendo
pois eram muito frágeis
(para os enormes pequenos dedos daquela criança humana)
e nas pontas dos dedos ficavam uma pequena quantidade de um fino pó colorido
uma espécie de quase pólem, advindos das asas
de onde os dedos as houvera tocado
mesmo assim pensou que era bonito pensar que a menina não sabia que elas fossem morrer
só queria brincar com elas
e cada uma delas só praticipava da brincadeira uma vez
cada brincadeira da menina com suas borboletas era única.